3 de agosto de 2012

AGOSTO - MÊS DAS VOCAÇÕES

O mês de agosto abre-se com a celebração do Dia do Padre e a festa de São João Maria Vianney, o santo Sacerdote que foi pároco na cidadezinha de Ars, perto de Lyon, na França. Daí o cognome, pelo qual também é conhecido, de Cura d’Ars, e o título de padroeiro dos párocos, vigários e capelães.
A missão do padre se reveste de dois aspectos de uma mesma realidade: o povo para o padre e o padre para o povo. O povo, para o padre, é a sua maior riqueza. Ele deixa a família na qual nasceu e abre mão da perspectiva de formar uma nova família, para assumir todos os seres humanos como seus irmãos, suas irmãs e sua mãe, conforme Jesus ensina no Evangelho (cf. Mt 12,48-50 e paralelos). O padre vendeu tudo para adquirir esse tesouro, não com o objetivo de possuí-lo, mas de conduzi-lo ao encontro de Deus, na prática da comunhão fraterna com o próximo e guiado pelos verdadeiros valores.
A Igreja é a família de Deus aqui no tempo. Onde quer que se encontre esta comunidade, lá se estende a paternidade do Pai, a fraternidade de Cristo e a comunhão de amor no Espírito Santo. O próprio Senhor confiou-a aos seus ministros: “Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28,19).
Portanto, a capacidade de liderar é dom de Deus, que o concede através do chamado vocacional. Mas, ser líder de uma porção desse povo exige dedicação total, santidade de vida e senso pastoral. Além disso, é preciso aprimorar a competência humana, para enfrentar os desafios do mundo atual, sobretudo no que se refere à cura das almas, como se afirma. 
O Concílio Vaticano II dedicou grande empenho ao tema da Igreja, legando-nos um documento fundamental sobre ela - a Constituição dogmática Lumen Gentium (“Luz dos Povos”). O documento nos apresenta a Igreja como povo de Deus, sem, no entanto, obscurecer a sua dimensão hierárquica. Estabelece, assim, o correto equilíbrio entre ambas as instâncias, corrigindo exageros ou omissões, cometidos por alguns, chamados peritos, no passado.
A imagem do povo de Deus surge, também, nas Conferências Episcopais Latino-Americanas. O Documento de Medellin (IIª Conferência, 1968) retratou um período difícil para a Igreja, devido aos problemas com a Teologia da Libertação ou, pelo menos, com algumas de suas linhas, ideologizadas pela esquerda, que defende a luta de classes e diversos outros aspectos negativos, contrários ao Evangelho e à unidade do povo de Deus.
A IIIª Conferência (Puebla, 1979) mostrou-se bem mais eloqüente: definiu melhores critérios, esclarecendo as relações entre o povo de Deus e a hierarquia, e destacando a missão das paróquias, junto às populações das cidades onde se encontram. Foi um período maravilhoso para a Igreja na América Latina, quando se atribuiu a devida importância à correta formação do povo de Deus, segundo a orientação do Vaticano II.
A seguir, a IVª Conferência (Santo Domingo, 1992) elaborou uma excelente síntese sobre a complexa e multiforme realidade do povo de Deus na América Latina, dentro da necessidade de uma Nova Evangelização, que parte da promoção humana integral.
Finalmente, a Vª Conferência Latino-Americana e do Caribe (Aparecida, 2007) pontualizou a realidade do povo de Deus, como discípulo e missionário, chamado a anunciar o Evangelho em meio às vozes do pluralismo cultural do nosso tempo. A presença do Papa entre nós, naquela ocasião, também reavivou a relação filial do povo de Deus com seu supremo Pastor, responsável por todos e cada um de nós.
Quem tem o povo, tem Deus em sua comunidade. E se o povo está distante do líder, acaba distante de Deus, em busca de uma autonomia ilusória. Aí começam os verdadeiros problemas de uma comunidade. O Papa João Paulo II dizia que a melhor maneira de se concretizar a Igreja em uma comunidade é sempre a paróquia. Embora configurada de maneira nova, é ela que aglutina, que reúne, que congraça, verdadeiramente, esse povo de Deus, a caminho da eternidade.
Guiar um povo pode acarretar tristezas e, até, angústia, para o padre, mas também lhe proporciona incontáveis alegrias. O que o padre deve ser para o povo? No desempenho dessa missão, ele deve incentivar o aprimoramento de certas qualidades, fundamentais para que as ovelhas se configurem ao Bom Pastor.
Em primeiro lugar, o povo precisa estar aberto à Palavra inspirada, que o padre transmite, em nome de Cristo. Tal abertura é condição essencial à santidade, pois o fiel torna-se santo pela própria força da Palavra que lhe é comunicada, semeada no seu íntimo, como falam os profetas.
O povo também é profético. Catequistas, membros de Pastorais e Movimentos, líderes da caridade social, desde que não se tornem ideologizados, são uma bênção para a Igreja de Deus. Conscientes de sua condição de batizados, são autênticas testemunhas, que anunciam a presença do Reino onde quer que vão, pelo seu modo de agir, sobretudo lá onde o padre não pode chegar, como em ambientes de política, de trabalho, de lazer e outros mais.  
Esse povo deve ser orante, um povo que reza, que sabe dialogar com Deus e que, assim, é capaz de dialogar em comunidade. Acentuo, aqui, a importância da oração da comunidade, enquanto paróquia: o povo que reza, que canta, que se expressa num diálogo de amizade com Deus, através do culto litúrgico. Esse clima, verdadeiramente familiar e acolhedor, deve acontecer na paróquia, e quem lidera tudo isso é o padre.
Observemos que, para realizar tudo isso, o padre precisaria ser alguém de qualidades excepcionais. Conforta-nos a certeza de que o dom de Deus jamais nos falta, e é nele que se fundamenta a nossa esperança. Mas a dedicação pessoal, corroborando a ação divina, não pode faltar. Para isso, o próprio Deus também cuida de nos deixar exemplos luminosos, de gente como nós, que nos antecedeu na missão. Assim é que os padres, sobretudo os párocos, têm diante de si o modelo do Pároco de Ars.
São João Maria Vianney não foi um sacerdote brilhante, do ponto de vista da ciência humana, mas foi um homem de Deus, no sentido mais perfeito do termo. Recebeu o pastoreio, a “cura”, como tradicionalmente se diz, de uns 300 fiéis, naquela pequena aldeia. A princípio, não quiseram lhe confiar mais. Ele, porém, veio a se tornar o maior confessor de seu tempo, a ponto de ser procurado para ministrar o Sacramento da Penitência a gente de todas as partes da França, e mesmo da Europa.
O padre deve ser, antes de tudo, um homem de oração e de ascese, como o Cura d’Ars. Deve santificar e fortalecer os fiéis com o ensinamento da Palavra e a graça dos Sacramentos. Enfim, deve reconhecer, como único fundamento de sua obra, o próprio Cristo, que lhe concedeu o privilégio imerecido de torná-lo presente junto ao seu povo. Rezemos para que nossos padres cumpram, com fidelidade e entusiasmo, esta sublime missão que lhes foi confiada por Deus, através da Igreja visível.

CARDEAL D. EUSÉBIO OSCAR SCHEID
Arcebispo da Arquidiocese do Rio de Janeiro

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